As “fábricas de cadáveres” alemãs: hoje uma lenda urbana, em 1917 uma verdade indiscutível.



Por Alessandro Marinucci

O período da Primeira Guerra Mundial está repleto de lendas urbanas, rumores infundados – mas curiosos – e histórias rebuscadas. Já mencionamos a surpreendente história dos " Anjos de Mons" e, para dar continuidade à minissérie, pensamos em chamar sua atenção para outro episódio, talvez um pouco mais macabro, mas que na época tinha tanta popularidade que passou a veracidade (ou não) da própria notícia em segundo plano; a única coisa que importava era difamar as fileiras inimigas em nome de uma guerra justa. Aqui está a incrível história das “fábricas de cadáveres” alemãs.

Kadaververwertungsanstalt. Vamos evitar piadas. Se traduzido literalmente, o termo assume o seguinte significado: “fábrica de aproveitamento de carcaças”. E já aqui um leitor atento pode notar um primeiro mal-entendido básico, mas vamos prosseguir, chegaremos ao problema mais tarde. O fato é que o Times de Londres, por volta de meados de Abril de 1917, publicou um pequeno artigo dedicado a uma notícia, extraída sobretudo de um jornal de Berlim. O foco da notícia girava em torno de um mau cheiro, vindo de uma fábrica não muito periférica do Capitólio, utilizada para o processamento de kadaver ...

Pequena nota linguística: o termo “kadaver” em alemão não expressa apenas, como no italiano atual, o significado de cadáver humano; na verdade, é usado principalmente para todos os corpos sem vida, especialmente quando se fala de animais. O respeitável jornal londrino sabia muito bem como funcionava este mecanismo linguístico, até porque alguns leitores contestaram a notícia com diversas cartas de reclamação. Mas o inevitável aconteceu. O alvoroço da mídia irrompeu em solo britânico. Muitos começaram a acreditar na história de que os homens do Kaiser tinham o hábito de enviar para essas fábricas os corpos dos soldados que morriam no front. Desses despojos teriam sido obtidos vários recursos: glicerina, gordura para sabão, fertilizante, ração animal.

Não satisfeitos, os principais jornais ingleses, envolvidos na crítica da imprensa alemã em tempo de guerra, acrescentaram outros detalhes desconcertantes à narrativa. Para que conste: estas adições vieram de fontes belgas; vamos lembrar como a Bélgica era um território ocupado e tinha todo o interesse do universo em demonizar o inimigo. Jornais flamengos independentes relataram que essas fábricas estavam localizadas dentro de uma floresta não especificada. As estruturas também contavam com guarnição militar e faziam parte de um programa secreto de produção. Pode parecer-nos exagerado, mas na altura estas palavras tocaram as mentes europeias que se opunham aos impérios centrais.

Contudo, agora que sabemos mais ou menos como foram as coisas naquela primavera de 1917, surgem algumas questões óbvias. Colocamos dois deles e, juntos, tentamos dar uma resposta lógica. A história macabra foi composta na prancheta pela propaganda do governo anti-alemão? E então, como explicamos um sucesso tão grande? Os historiadores ainda hoje debatem a primeira questão, mas há uma linha comum: não, mesmo que houvesse uma questão parlamentar sobre o assunto, a notícia das fábricas de cadáveres do Reich não foi tornada pública por vontade do governo. Isto é verdade, tal como é verdade que Londres fez então tudo para explorar este elemento de propaganda a seu favor.

Respondendo à segunda pergunta, passamos à conclusão. Para compreender o sucesso da história, devemos ter em mente o modus operandi das agências de propaganda durante os anos da Grande Guerra. A única coisa que importava era fazer com que o inimigo parecesse um monstro capaz das piores atrocidades. A historiografia anglo-saxônica também cunhou um termo a esse respeito: “propaganda de atrocidade”. E o leitor médio da época absorvia dezenas de histórias como essa, ainda mais assustadoras sob certos pontos de vista. Portanto, a difusão dessa história não deveria nos surpreender em nada - mesmo entre as trincheiras, no front - porque o mundo funcionava assim e talvez, com os devidos esclarecimentos, continue a fazê-lo ainda hoje.

 

 

 

 

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